Fotobiografia e pesquisa reavivam veia crítica de Pagu
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Livro com imagens e textos inéditos sai em 1º de julho e compilação da produção jornalística, no fim do ano
Professor americano prepara quatro volumes com artigos de Pagu e compara painel à obra de Pedro Nava
Pagu em 1929, ano em que se envolve com Oswald de Andrade, com quem se casa
FABIO VICTOR E MARCO RODRIGO ALMEIDA FOLHA SP
Patrícia Galvão, a Pagu (1910-1962), virou filme, personagem de minissérie televisiva e música de Rita Lee.
O apelo de musa iconoclasta e agitadora política moldou a construção de uma figura meio cult, meio pop.
Mas agora, no aniversário de cem anos de seu nascimento, comemorados na próxima quarta, a imagem consagrada dará espaço à de uma outra e menos conhecida Pagu, a intelectual, culta e articulista prolífica.
Uma fotobiografia com documentos, imagens e cartas inéditos, a ser lançada em 1º de julho, e a edição, em quatro volumes, de 30 anos de produção jornalística de Pagu -que deve sair no final do ano-, são as principais iniciativas para desestigmatizar a mulher-escândalo.
"A imagem da menina que roubou Oswald da mulher [Tarsila] e andava com roupas escandalosas se estendeu para o tempo da militância política, tanto que o partido [comunista] a considerava uma burguesinha. Ela lutou muito contra isso, mas a fama permaneceu", conta Geraldo Galvão Ferraz, o Kiko, filho de Pagu com o modernista Geraldo Ferraz.
Ele é coautor, com Lúcia Furlani, presidente do Centro de Estudos Pagu, de "Viva Pagu Fotobiografia de Patrícia Galvão" (Imprensa Oficial/Editora Unisanta), com 400 imagens, entre retratos e fac-símiles, textos introdutórios e trechos de duas peças teatrais inéditas de Pagu.
Segundo Kiko, coube a Augusto de Campos, com "Pagu Vida-Obra", de 1982, o início da valorização intelectual da sua mãe. Em 2005 vieram o livro "Paixão Pagu" e a página www.pagu.com.br.
PASSO DECISIVO
Mas, diz ele, o passo decisivo será a compilação da produção jornalística de Pagu, trabalho do professor Keneth David Jackson, da Universidade Yale (EUA), que traduziu "Parque Industrial" para o inglês e se apaixonou pela obra de Pagu.
Jackson cuida da edição há 20 anos e já tem prontos quatro volumes: 1) assuntos políticos e crítica social; 2) crítica de literatura e arte brasileira; 3) crítica de teatro; 4) a "Antologia da Literatura Estrangeira", na qual apresentou e traduziu mais de 90 autores internacionais.
A pesquisa vai de 1931 a 1961, em nove periódicos.
"É muita coisa. Há poucos casos de 30 anos de produção contínua. Acho que equivale a um Pedro Nava, melhor do que o "Jornal de Crítica" de Álvaro Lins ou o "Diário Crítico" de Sérgio Milliet", disse Jackson à Folha.
Segundo Kiko, as editoras da USP, da Unicamp e da Unisanta devem se unir para publicar os volumes.
Quando se nasce em países subdesenvolvidos, o remédio aos que sentem "inquietações de inteligência" como tão harmoniosamente falava Lima Barreto, é exilar-se, amargar o pão do estrangeiro, ir pelo mundo; ou ficar por aqui mesmo a lutar para que sobrevivam os produtos daquelas inquietações. Nós ficamos. E lutaremos. Este o nosso até logo, embora sem saber até quando.
Em 26.mar.61, sob o pseudônimo Mara Lobo, no jornal "A Tribuna", de Santos
RAIO-X PAGU
MUSA ESCANDALOSA
Patrícia Rehder Galvão nasce em 9 de junho de 1910, em São João da Boa Vista (SP). Aos 18, frequenta a casa de Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral e vira musa dos modernistas. Inicia romance com Oswald. Casam-se em 1930, num cemitério.
MILITANTE POLÍTICA
Em 1931, filia-se ao PCB. É detida por participar da Intentona Comunista de 1935. Foi presa mais de 20 vezes e torturada.
ESCRITORA E JORNALISTA
Publica em 1933 o romance proletário "Parque Industrial". Traduz textos de Joyce, Octávio Paz, e Ionesco, entre outros. Atua no jornalismo por 30 anos, em diversos jornais e periódicos. Morre em Santos, em 12 de dezembro de 1962.
Lançamento cobre da jovem sedutora à mulher angustiada
DE SÃO PAULO
Há 22 anos estudando vida e obra de Pagu, a professora Lúcia Furlani ainda hoje se surpreende com a complexidade da sua pesquisada.
Coautora da fotobiografia "Viva Pagu" -a ser lançada em 1º de julho, ainda sem preço definido-, ela sustenta que o lançamento cobre um pouco das tantas Pagus.
Se os retratos da década de 1920 trazem uma Pagu bela e ousada, estilizada como uma estrela de cinema, a partir de 1940 ela está mais austera, contida e resignada.
É uma mulher desiludida com o PCB (Partido Comunista Brasileiro) e atormentada com os sacrifícios da militância -entre eles a pouca convivência com o primeiro filho, Rudá de Andrade (1930-2009), do casamento com Oswald de Andrade.
Ao se filiar ao PCB em 1931, Pagu abre mão da vida familiar. Muda-se para o Rio, onde trabalha como metalúrgica e tecelã. "Minha finalidade é muito maior e difícil de alcançar", escreve em 1934.
"Pagu vivia em constante angústia. Nunca se satisfazia", comenta Furlani, presidente do Centro de Estudos Pagu, da Universidade Santa Cecília, de Santos (SP).
O crescente desapontamento com o regime comunista se acentua quando visita a Rússia, em 1934.
Após seguidas prisões, entre outras coisas por participar do Levante Comunista de 1935, é expulsa do PCB. "Reduziram-me ao trapo", escreve sobre o partido em 1950.
O casamento com Geraldo Ferraz em 1940 a tranquiliza, mas não aplaca a angústia. Em 1949 faria a primeira de duas tentativas de suicídio. A bala quase atinge o olho.
A segunda, também com revólver, ocorre após diagnosticar um câncer de pulmão em 1962. Pagu morre da doença em dezembro do mesmo ano, aos 52 anos.
"Ela viveu intensamente os principais momentos do século 20. Essa entrega cega deixou marcas físicas e psicológicas", analisa Furlani.
Segundo Geraldo Galvão Ferraz, filho de Pagu que assina a fotobiografia com Furlani, o texto do livro é "enxuto, didático, sem literatices nem filosofia". (FV e MRA)
"Sonhe. Tenha até pesadelos, se necessário for. Mas sonhe."
Salve Patricia Galvão!