Cantinflas chega às telas do cinema mexicano em 1936 no longa-metragem No te engañes corazón, dirigido por Miguel Contreras Torres, depois de um curta, “Cantinflas” Boxeador, dirigido por Fernando A. Rivero, nesse mesmo ano. Sua marca registrada era a maneira absolutamente desregrada ao falar que, aliada ao seu gestual característico, ao seu bigodinho ralo e falho e ao seu figurino - calças caídas amarradas por uma corda na cintura e um trapo nos ombros - fazia um enorme sucesso junto a um determinado público. Mario Moreno criou esse personagem para o teatro de variedades e para espetáculos circenses. Seu público era o da periferia da Cidade do México. Esses espetáculos, conhecidos como “teatro de carpa”, foram muito populares nas primeiras décadas do século XX, nos arrabaldes da cidade, e apresentavam uma encenação com base na improvisação e no contato direto com o público que, muitas vezes, ao desaprovar determinado número, atirava objetos nos artistas. Essa foi a escola de Cantinflas durante muitos anos, onde ele aprendeu a se comunicar com a plateia, de forma direta e imediata. Cantinflas é um personagem burlesco e irreverente que, através de um falar grosseiro e popularesco, dribla, com malícia e engenhosidade, as adversidades de um cotidiano difícil na periferia de uma grande cidade latino-americana. Ele é, seguramente, um produto do cinema falado. Seu maior recurso se concentra numa verborragia frenética baseada num jogo de palavras que roçam o nonsense. A “cantinflada”, termo que define esse palavrório acelerado do personagem, constitui-se num fenômeno frequente nos filmes de Cantinflas. Aquilo que, numa primeira mirada, mostra-se sem sentido e vazio, pode conter um significado bastante contundente se analisado a partir das condições em que essa fala foi elaborada. É importante pensarmos que Cantinflas criou sua verborragia numa época em que discursos demagógicos travestiam os espetáculos populares, tentando dar conta da ressignificação de um novo projeto de identidade nacional no México. Nesse contexto de oratória desenfreada, onde políticos e intelectuais promoviam um debate sem fim, o texto aparentemente desconexo de Cantinflas denunciava o vazio dos discursos oficiais. A resposta cantinflesca representava a fala daqueles que não se sentiam, de fato, inseridos naquele contexto de nação. A “cantinflada” açoitava a linguagem culta, trazendo a público um falar das ruas maculado de incertezas gramaticais. Cantinflas ia do nada pra lugar nenhum, rindo de si mesmo, confundindo seu interlocutor num jogo nauseante de palavras que percorriam tresloucadas um labirinto de oralidade. Essa foi sua marca em mais de cinquenta filmes durante quase meio século de permanência nas telas de cinema. Cantinflas conquistou não só o México mas toda a América Latina e chegou ao cinema dos Estados Unidos em 1956 no filme A volta ao mundo em 80 dias, dirigido por Michael Anderson, Kevin McClory e Sidney Smith. Porém, seu público era, definitivamente, o latino-americano, que reconhecia nessa espécie de malandro mexicano as marcas do subdesenvolvimento, da transgressão bem-humorada e dos rituais de sobrevivência necessários para driblar as dificuldades do dia a dia numa grande cidade deste subcontinente. Mario Moreno, o intérprete de Cantinflas, completaria 100 anos em 2011. Essa é uma grande oportunidade para revermos seus filmes e relembrarmos Cantinflas como um grande personagem da comédia cinematográfica latino-americana.
Fonte: O Cineclube Sala Escura é uma atividade de extensão da Plataforma de Reflexão sobre o Audiovisual Latino-Americano (PRALA), vinculada ao Laboratório de Investigação Audiovisual (LIA) da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Fonte: O Cineclube Sala Escura é uma atividade de extensão da Plataforma de Reflexão sobre o Audiovisual Latino-Americano (PRALA), vinculada ao Laboratório de Investigação Audiovisual (LIA) da Universidade Federal Fluminense (UFF).